Opinião – O Reino Unido se prepara para a guerra: o que o Brasil tem a ver com isso?

João Alfredo Lopes Nyegray* e Lorena Nogaroli**

A recente publicação da “Strategic Defence Review 2025” pelo governo do Reino Unido não é apenas mais um documento de planejamento militar. Trata-se de um alerta contundente: a era do pós-Guerra Fria deu lugar a um novo ciclo de tensão global, no qual guerras interestatais, retórica nuclear e competição tecnológica voltam a ocupar o centro das estratégias de segurança das grandes potências. E o Brasil é citado, com destaque, nesse reposicionamento.

A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 representou um divisor de águas para a segurança europeia. Demonstrou que o uso da força para mudança de fronteiras, considerado anacrônico, voltou a ser uma ferramenta geopolítica. Para o Reino Unido, isso exige um realinhamento completo de suas Forças Armadas, com foco em prontidão, dissuasão e capacidade de resposta em conflitos de alta intensidade.

O documento afirma que o país estará pronto para uma guerra de larga escala em até dez anos. Mais do que retórica, a promessa vem acompanhada de investimentos concretos: aumento dos gastos em defesa para 2,5% do PIB até 2027, construção de novos submarinos, reforço na ciberdefesa e reorganização completa da estrutura de comando militar.

Em paralelo, os Estados Unidos, tradicional garantidor da segurança europeia, estão redirecionando suas atenções para o Indo-Pacífico, especialmente diante da ascensão da China. Washington segue como principal aliado de Londres, mas não é mais o escudo exclusivo da Europa. Esse vácuo parcial de liderança obriga aliados europeus, como Reino Unido, França e Alemanha, a assumirem maior protagonismo.

A doutrina “NATO First”, destacada na Revisão, não significa “somente NATO”. Londres reconhece que a segurança é cada vez mais global e interconectada, com o ciberespaço, o ártico, o espaço e o ambiente informacional como novos domínios de disputa. E é nesse contexto que o Brasil aparece.

Em um gesto simbólico e estratégico, o documento britânico menciona o Brasil como parceiro prioritário na América Latina. É uma distinção rara, ainda mais considerando que a Argentina — rival histórica do Reino Unido na questão das Malvinas — não é sequer citada.

Trata-se de uma aposta no Brasil como país com estabilidade relativa, capacidade regional e perfil democrático. Em um continente marcado por desafios de governança, insegurança urbana e crescente influência chinesa, o Brasil surge como possível elo entre a América do Sul e os interesses euro-atlânticos.

No entanto, essa posição implica responsabilidades. A tradição brasileira de “autonomia pela diversidade”, que busca não se alinhar rigidamente a nenhum bloco, será colocada à prova. Estará o Brasil disposto a se engajar em uma ordem internacional cada vez mais bipolarizada entre Ocidente e China? E como preservar sua soberania decisória diante dessa pressão por alinhamento?

O documento britânico traça um retrato preocupante do mundo atual: ataques diários abaixo do limiar da guerra, avanço de tecnologias letais, militarização do ciberespaço e erosão das normas que evitavam conflitos entre potências. A estabilidade estratégica, sustentada por décadas de acordos multilaterais, está sendo minada.

Nesse ambiente, o Reino Unido aposta na inovação, na digitalização e em alianças flexíveis. Os britânicos reconhecem que não serão capazes de proteger seus interesses sozinhos e que alianças globais serão decisivas para a segurança compartilhada. A menção ao Brasil, portanto, não é apenas um gesto diplomático. É uma convocação.

Para o Brasil, o desafio é claro: ignorar esse novo tabuleiro pode significar irrelevância. Mas aderir a ele de forma ingênea pode custar caro em termos de autonomia. É preciso um debate nacional qualificado sobre o papel do país nesse novo ciclo geopolítico. O Itamaraty, o Ministério da Defesa, a sociedade civil e a comunidade acadêmica precisam estar no centro dessa reflexão.

O Reino Unido se prepara para a guerra. E chama o Brasil para conversar. A pergunta que fica é: estamos preparados para responder à altura?

*João Alfredo Lopes Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Professor de Negócios Internacionais da PUCPR e de Relações Internacionais da FAE. 

** Lorena Nogaroli é gestora de reputação, jornalista, especializada em Marketing, Serviços e Gestão de Riscos e Crises. Fundadora da Central Press, dirige o escritório da agência de reputação em Londres.

Redação

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