Cidadania italiana rende milhões aos cofres italianos

Cidadania italiana rende milhões aos cofres italianos

Com o novo decreto-lei 36/2025, publicado no final de março na Gazzetta Ufficiale da Itália, o debate sobre a cidadania italiana iure sanguinis aumentou consideravelmente. Antes disso, o assunto já estava sendo amplamente comentado a partir de projetos de lei que visavam modificar as possibilidades de pedido de reconhecimento de cidadania e, também, devido à nova taxa de 600 euros por requerente do Contributo Unificato Forfetário (CUF), introduzida na Lei di Bilancio 2025, em seu artigo 1, parágrafo 814. 

Ao assinar o decreto-lei, apresentando-o na coletiva de imprensa do dia 28 de março de 2025, o Ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani,  falou sobre a busca dos ítalo-descendentes pelo passaporte italiano para ir fazer compras em Miami e, também, sobre o mercado de cidadania italiana. Entretanto, não abordou quanto a cidadania italiana iure sanguinis rende aos cofres do Governo italiano.

Cidadania italiana iure sanguinis rende milhões de euros aos cofres italianos* 

Em 2024, somente no Brasil, os consulados italianos reconheceram aproximadamente 20 mil novas cidadanias, recebendo, a título de “taxas consulares”, a quantia de € 6.000.000,00. 

Além disso, se em julho de 2023, as cidadanias obtidas judicialmente representavam 29% do total de novos cidadãos reconhecidos, em junho de 2024 passaram a representar 45% do total, correspondendo a 1.700 novos cidadãos por mês, totalizando cerca de 9.500 em 10 meses.

Os processos pendentes na justiça italiana totalizaram 61.628 (dos quais 48.232 iniciados) em 2024, sendo 28.746 novas ações, o que gerou uma entrada de €18.224.964,00 apenas de custas judiciais. Isso sem levar em consideração o ano de 2025, em que a nova taxa de CUF passou a ser de 600 euros por requerente. 

Cada processo judicial tem em média 8 requerentes, significando então aproximadamente 229.968 pessoas que pediram a cidadania italiana via judicial somente em 2024. Se cada uma delas pagar a taxa CUF atualizada, isso dá um valor de €137.980.800,00. 

E, claro, consequentemente todos esses “novos cidadãos” almejam a ter o tão sonhado passaporte italiano, cujo custo hoje é de €116,00, totalizando o valor de €26.676.288,00.

Para que seja possível reconhecer a cidadania através da via judicial, é necessário contratar um advogado ou uma empresa especializada, cujos honorários oscilam entre 3 e 7 mil euros para cada processo, gerando um movimento econômico de aproximadamente €201.222,00 para os novos processos de 2024. 

Este dinheiro, além de sustentar milhares de advogados e empresas do mercado que geram emprego, é convertido em impostos na medida que aproximadamente 60% é destinado para o governo italiano, tratando-se de €120.733,20 no bolso do estado. 

Isso sem contar com toda a economia gerada de maneira indireta. Afinal, basta pensar no turismo, hotéis, restaurantes, locações, compras e importação de produtos made in Italy, mercado imobiliário, etc.

*Observação: os valores de taxas consulares e judiciais levam em consideração a quantidade de novas cidadanias e novos processos divulgados pelo próprio governo italiano. Os valores calculam-se a partir dos €300 de taxa consular, €518 de taxa judicial por processo, €16 da marca da bollo e €100 para registro da sentença. 

A cidadania italiana e sobrecarga da saúde pública na Itália 

Ao contrário do que pontuou o Ministro Tajani em seu pronunciamento, cidadãos no exterior não têm como sobrecarregar o sistema de saúde, uma vez que os cidadãos abrem mão deste direito ao fazerem seu cadastro no AIRE. 

Conforme aponta a legislação do Ministério da Saúde, os cidadãos do AIRE que retornam temporariamente à Itália podem solicitar o registro no Sistema Regional de Saúde por um período máximo de 90 dias por ano civil, sem designação de um Clínico Geral/Pediatra de Família, com a emissão de um cartão de saúde. 

Além disso, existe um acordo internacional entre o Brasil e a Itália que permite que cidadãos brasileiros tenham atendimento médico na rede pública italiana, em determinadas condições, e vice-versa. 

Desde o ano de 1991, o acordo estabelece reciprocidade de tratamento médico entre brasileiros e italianos que estejam temporariamente no território do outro país, desde que sejam segurados do sistema de previdência social (INSS no Brasil, INPS na Itália). Ainda, o Brasil já disponibiliza atendimento público para seus cidadãos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

“A aprovação do decreto resultaria num fenômeno de desnacionalização em massa”, afirma CEO da Nostrali 

O decreto-lei 36/2025 estabelece que os descendentes de cidadãos italianos nascidos no exterior serão reconhecidos automaticamente como cidadãos apenas até a segunda geração: apenas quem tem ao menos um dos pais ou um dos avós nascido na Itália será considerado cidadão desde o nascimento.

Os filhos de cidadãos italianos adquirirão automaticamente a cidadania se nascerem na Itália ou se, antes do nascimento, um dos pais, cidadão italiano, tiver residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos. 

O CEO da Nostrali Cidadania Italiana, David Manzini, explica que a aplicação da norma “resultaria num fenômeno de desnacionalização em massa, contrário a todos os princípios constitucionais internos e internacionais.”

Em contraste, ele destaca que, por exemplo, o projeto de lei n. 1263/2024, atualmente em discussão no Senado, prevê uma reforma nas formas de aquisição da cidadania, respeitando o princípio da irretroatividade e o caráter originário do direito à cidadania iure sanguinis. Assim, Manzini reforça que “é clara a diferença entre uma possível e legítima reforma nas formas de aquisição da cidadania italiana e a atual intervenção apressada de desnacionalização de uma grande quantidade de indivíduos, titulares do direito originário à cidadania italiana desde o nascimento”. 

DINO