Marco Legal de Data Centers no Brasil: Aspectos Técnicos e Legislativos
Marco Legal de Data Centers no Brasil: Aspectos Técnicos e Legislativos
Por Alberto Carbonar e Natália Costa
Introdução
O setor de infraestrutura digital brasileiro alcançou um novo patamar com a edição da Medida Provisória nº 1.318, de 17 de setembro de 2025 (“MP 1318/25”), que instituiu o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (“REDATA”). A medida altera a Lei nº 11.196/2005 e cria um marco regulatório específico para data centers, especialmente aqueles voltados a aplicações de inteligência artificial (“IA”), computação em nuvem e processamento de alto desempenho. Essa iniciativa é essencial para enfrentar a elevada dependência nacional de serviços digitais prestados no exterior, que atinge cerca de 60% das cargas digitais, gerando um déficit de aproximadamente US$ 40 bilhões em produtos elétricos e eletrônicos em 2024, e US$ 7,1 bilhões em serviços de telecomunicações e computação no mesmo ano. Adicionalmente, visa reduzir a diferença de custos operacionais, que são, em média, 30% mais altos no Brasil devido à tributação sobre equipamentos de TIC.
Além de estabelecer incentivos tributários para atrair investimentos, a MP vincula a concessão dos benefícios a critérios de sustentabilidade, inovação tecnológica e fortalecimento da soberania digital. O presente artigo aborda de forma detalhada os principais aspectos técnicos e legislativos desse novo regime, destacando obrigações, oportunidades e desafios que marcam a consolidação da infraestrutura digital no Brasil.
Panorama Legislativo
A MP 1318/25 passou a ser o principal vetor da política de incentivo aos data centers no Brasil. Editada em setembro de 2025, a MP alterou a Lei nº 11.196/2005 e instituiu o REDATA, criando um marco regulatório para instalação, ampliação e modernização da infraestrutura digital no país.
O texto está em deliberação no Congresso Nacional, com prazo de apreciação até 16 de novembro de 2025, conforme o calendário legislativo, e regime de urgência a partir de 2 de novembro. Durante esse período, podem ser apresentadas emendas parlamentares, e será emitido parecer pela Comissão Mista antes da votação nos plenários da Câmara e do Senado, seguindo o rito constitucional.
É fundamental destacar que, embora a MP 1318/25 já produza efeitos desde a sua publicação, ela ainda dependerá da apreciação e conversão em lei pelo Congresso Nacional. Durante esse processo de tramitação, é possível que haja mudanças relevantes em seu conteúdo, o que significa que o texto final aprovado poderá diferir daquele originalmente editado pelo Poder Executivo. Essa dinâmica legislativa requer acompanhamento contínuo por parte dos agentes do setor.
O processo legislativo já conta com a participação ativa de ministérios estratégicos, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Ministério da Fazenda e o Ministério de Minas e Energia (MME), além de especialistas do setor privado e da academia. Esse diálogo multissetorial reforça a complexidade e transversalidade do tema, aproximando o Brasil das melhores práticas internacionais.
Em paralelo, o REDATA materializa a política nacional de incentivo à instalação de data centers por meio de desoneração de tributos federais como IPI, PIS, Cofins e Imposto de Importação, inspirada em experiências bem-sucedidas de regimes especiais. A expectativa é que o novo marco atraia investimentos bilionários, amplie a geração de empregos qualificados em tecnologia e posicione o país de forma competitiva na economia digital global.
Elementos Técnicos do PL 3018/2024
A MP 1.318/2025 trouxe uma definição abrangente de serviços de data center. São considerados aqueles voltados ao armazenamento, processamento e gestão de dados e aplicações digitais, incluindo computação em nuvem, processamento de alto desempenho, treinamento e inferência de modelos de inteligência artificial e serviços correlatos.
O novo regime não apenas reconhece a importância estratégica desses ambientes, mas também atribui responsabilidade integral às empresas habilitadas quanto à gestão, manutenção e conformidade legal. A adesão plena à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) permanece imperativa, garantindo a privacidade dos titulares e prevenindo o tratamento irregular de dados pessoais ou sensíveis.
Entre as principais obrigações do REDATA, destacam-se:
i. Disponibilização mínima de 10% da capacidade de processamento para o mercado interno, assegurando que parte da infraestrutura beneficie diretamente a economia nacional.
ii. Compromissos ambientais, como suprimento integral por fontes limpas ou renováveis e índices rigorosos de eficiência hídrica (WUE ≤ 0,05 L/kWh).
iii. Investimento de 2% do valor dos equipamentos incentivados em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, em parceria com ICTs, universidades ou entidades do ecossistema tecnológico.
iv. Governança e auditoria, com comprovação anual do cumprimento das obrigações por meio de relatórios e pareceres de auditoria independente credenciada pelo Poder Executivo.
v. Contrapartida social e regional, com destinação mínima de 40% dos recursos de P&D às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Ao vincular benefícios fiscais a exigências ambientais e de inovação, a MP reafirma a centralidade da sustentabilidade e da agenda ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança). O modelo privilegia tecnologias de alta eficiência energética, incentiva matrizes renováveis e prevê relatórios de desempenho ambiental, metas de redução de emissões e políticas de reciclagem de resíduos eletrônicos.
Assim, o REDATA consolida-se como um instrumento que alia inovação, segurança jurídica e sustentabilidade, reposicionando o Brasil no cenário da economia digital global.
Fiscalização, Sanções e Estrutura Regulatória
A MP 1.318/2025 estabelece mecanismos rigorosos de fiscalização e controle para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas habilitadas ao REDATA. Estão previstas auditorias independentes anuais, credenciadas pelo Poder Executivo, que devem verificar a veracidade das informações prestadas, especialmente quanto à destinação da capacidade mínima ao mercado interno, ao cumprimento de critérios ambientais e ao investimento em pesquisa e inovação.
O descumprimento das condições previstas implica sanções proporcionais, que vão desde a suspensão temporária dos benefícios até o cancelamento definitivo da habilitação ao regime, obrigando o recolhimento dos tributos suspensos acrescidos de juros e multas. É importante notar que os valores decorrentes das multas aplicadas com base na Lei nº 15.211/2025 serão destinados ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente por um período de cinco anos, visando a proteção de crianças e adolescentes. Caso a empresa não regularize a infração em até 180 dias, a exclusão é automática, e a reentrada no regime só é permitida após dois anos.
Além disso, o regulamento deverá detalhar os prazos de comprovação, os critérios de avaliação e os fatores de multiplicação aplicáveis à destinação de capacidade gratuita ao setor público e a instituições de pesquisa. Esse desenho busca equilibrar o rigor regulatório com a segurança jurídica, evitando que exigências desproporcionais comprometam a atratividade de investimentos no Brasil.
Incentivos Econômicos e Operacionais
O REDATA consolida os incentivos fiscais para instalação, modernização e operação de data centers no Brasil. Contudo, é importante ressaltar que a fruição efetiva de grande parte desses benefícios dependerá de regulamentação adicional a ser emitida pelo Poder Executivo. As empresas habilitadas terão direito à suspensão de tributos federais como IPI, PIS, Cofins e Imposto de Importação sobre equipamentos e componentes de tecnologia da informação e comunicação, nacionais ou importados. Uma vez cumpridas as obrigações legais, essa suspensão converte-se em alíquota zero.
Em contrapartida, o regime exige compromissos claros:
i. Disponibilização mínima de 10% da capacidade de processamento ao mercado interno, podendo parte ser destinada gratuitamente a instituições públicas e de pesquisa.
ii. Investimento equivalente a 2% do valor dos equipamentos incentivados em programas de P&D, com aplicação obrigatória de 40% dos recursos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
iii. Cumprimento de critérios de sustentabilidade, incluindo uso integral de energia limpa ou renovável e padrões rigorosos de eficiência hídrica.
Essas condições garantem que os incentivos resultem não apenas em expansão da infraestrutura digital, mas também em inovação tecnológica, desenvolvimento regional e responsabilidade ambiental.
Ainda persistem desafios operacionais, como a integração dos data centers à infraestrutura de distribuição e transmissão de energia elétrica — fator crítico para estabilidade e custos —, bem como a definição de contratos e regras claras sobre a alocação de riscos entre os diferentes agentes envolvidos, especialmente em temas de proteção de dados e segurança cibernética.
Considerações Finais
A criação do REDATA consolida um marco legal que une inovação tecnológica, eficiência operacional, sustentabilidade e desenvolvimento econômico. Ao transformar em norma os compromissos de investimento em P&D, a exigência de contrapartidas ambientais e a garantia de capacidade voltada ao mercado nacional, o Brasil se alinha às melhores práticas internacionais e fortalece sua posição como hub digital estratégico na América Latina.
Esse novo cenário demanda acompanhamento contínuo das regulamentações e auditorias, para assegurar que os benefícios se convertam em ganhos concretos de competitividade, soberania digital e confiança dos usuários. Para isso, os benefícios fiscais previstos no Art. 11-C serão objeto de acompanhamento e avaliação pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e pelo Ministério da Fazenda (MF), quanto à consecução dos objetivos estabelecidos. Importante ressaltar que as modificações introduzidas no Art. 11-C da Lei nº 11.196/2005 terão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026, enquanto os demais dispositivos da MP entram em vigor na data de sua publicação. O país passa, assim, a combinar segurança jurídica e incentivos efetivos, criando condições para atrair investimentos de longo prazo e consolidar uma economia digital verde e inclusiva.
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